O LITORAL É MÃO DUPLA ”“ DE ATINS AO PREÁ, 280 KM CONTRA O VENTO

  Relato por ANDRÉ PENNA – redação e fotos   O trecho da costa do Brasil que vai de Fortaleza aos Lençois Maranhenses é o melhor lugar do mundo para fazer longa distância de kitesurf. Virado para o Norte, com vento super constante, água quente, vilarejos receptivos, ausência de ondas grandes e costões rochosos, fazem com que esse trecho esteja se tornando a meca mundial de travessias longas de kitesurf, que muitos chamam de “Downwind”.   A expressão: Downwind, significa navegar a favor do vento. Em português, a tradução seria “de vento em popa”. Há quatro anos, comecei a guiar kitesurfistas em “Downwinds” na região.   Ao que tudo indicava, no mundo do kitesurf, este litoral era via de mão única. Sempre do leste para o oeste, empurrado pelo generoso vento alí­sio de Leste. No entanto, o hydrofoil chegou para quebrar paradigmas. Este novo tipo de prancha permite navegar contra o vento, desafiar essa força tão grandiosa.   A rota que costumo guiar é do Preá, vizinho de Jericoacoara, ao Atins, nos Lençóis Maranhenses. São 280 quilômetros vento abaixo, de extrema beleza! Decidi fazer a rota ao contrário, contra o vento, nos mesmos 5 dias que gastamos no Surfin Sem Fim. Em cada dia, eu percorreria entre 50 e 60 quilômetros de litoral.   Detalhes sutis fazem a diferença ! O litoral ali é virado para o norte, em alguns pedaços inclina para nordeste. Nos trechos virados para o norte, o zigue zague é muito maior, mais do que dobrando a distância. Onde é virado para nordeste, veleja-se mais paralelo a costa, diminuindo muito o zigue zague. A diferença é brutal.   Outro fator que afeta muito a navegação é a sutil mudança de direção do vento que ocorre na passagem da manhã para a tarde. De manhã o vento vem de sudeste, da terra para o mar. De tarde, ele inclina para nordeste, vindo do mar, e facilitando bastante a minha tarefa de navegar rumo ao Preá. O zigue zague dá lugar a bordos maiores quase paralelos a costa.   DIA 1   Saio de Atins no dia 2 de agosto. Espero o vento virar para maral (de sudeste para nordeste), o que só ocorre após í s 13:00. Era um trecho em que o litoral é virado para nordeste, mais fácil. Faço um pequeno zigue zague para sair da foz do Rio Preguiça, e sigo em, somente, um bordo naquela imensa praia até Paulino Neves, onde paro para comer.   Estava navegando sem apoio; levava tudo que precisa em minha mochila a prova d’água. Levava somente um kite: um F-one Furtive 10 metros, um modelo de kite bom de contra-vento, com um alto “Aspect Ratio”. Quanto mais esticado é o formato do kite, mais ele é bom de orça.   Saboreio um delicioso sanduba de berinjela que peguei na Vila Guará, pela praia do amor, contorno uma ilha de areia, e chego no vilarejo do Arpoador, um pequeno paraí­so 10 km antes de Tutóia. Sou recebido pelo pessoal da posada NAK (Nativo Arpoador Kitesurf). Você ainda vai ouvir falar muito nesse tal de Arpoador, será o novo point do kitesurf.   50 quilômetros de litoral   71 quilômetros navegados no GPS   Repare o litoral inclinado para nordeste, e os bordos longos   DIA 2   Esse era o dia mais temido! Pela frente, eu tinha o Delta do Parnaí­ba, um trecho de litoral totalmente selvagem e sem apoio. São diversas ilhas e grande bocas de rio com muita correnteza e variação de maré. É um lugar fantástico e intimidador!   Saí­ cedo do Arpoador, í s 9:00. Tinha total respeito por aquele trecho. Tempo é segurança. O vento sudeste aumenta meu zigue zague. A maré estava vazando com muita força, era dia de lua nova. Me aproximo de Tutóia, e invisto rumo a ponta da Melancieira, o pedacinho que eu mais temia de toda a viagem. A exposição seria grande para contornar aquela ponta.   Entro na correnteza do canal da barra de Tutóia. A correnteza era tão violenta que a água ficava turbulenta, com redemoinhos. A correnteza, na mesma direção do vento, me faz perder potência e ângulo de orça. Volto para praia para fugir da correnteza. Sigo perto da beira, ganhando altura no vento e, ao me aproximar de Tutóia, invisto novamente rumo a ponta, desta vez com ângulo de sobra. Novamente afundo na correnteza e perco ângulo, mas vou seguindo assim mesmo. Aguá barrenta e turbulenta, puxando para o oceano, e o vento falhado, me fazem sentir medo. Sigo controlando minha respiração.   Finalmente, contorno aquela ponta, sabendo que se algo falhasse ali, eu estaria em sérios apuros. Aquela ponta se projeta quilômetros mar adentro, com vento e correnteza puxando para fora. Contornei lentamente, e fiquei eufórico de vencer o obstáculo. Eu estava no incrí­vel Delta do Parnaí­ba!   O difí­cil contorno da ponta da Melancieira. Note a perda de ângulo quando entra no canal.   Passo o rio da Melancieira, e sigo em um longo zigue zague, com vento fraco, até a Barra do Caju, que é a maior boca de rio do Delta. Paro logo antes para uma rápida boquinha, e decido atravessar, mesmo com vento fraco. A maré estava muito seca e a situação complicada, com muitos bancos de areia. O mar parecia uma máquina de lavar. Vou negociando com os bancos, e bato em 2 deles, tomo capotes! Toco para o meio do oceano, para me livrar dos bancos, e me sinto exposto novamente.   Uma vez vencida a barra do Caju, o vento melhorou. Aumentou a potência e inclinou mais para maral. A partir dali, sigo bem rápido, ganhando 2 vezes mais litoral por hora do que antes. Ao chegar na Ilha dos Poldros, eram 15:00, e penso que eu teria tempo para chegar em Barra Grande naquele mesmo dia, ganhando um dia de viagem. Deveria aproveitar as boas condições da tarde. Passo batido pela Ilha dos Poldros.   Alguns quilômetros na frente, penso que era uma irresponsabilidade não parar na Ilha dos Poldros, um dos lugares mais fantásticos de todo litoral. Afinal, eu não estava ali para bater recorde de velocidade, o mais importante era o meu prazer no que estava fazendo.   Então, dou